terça-feira, abril 26, 2016

RELEMBRANDO GASSET


                               



                                                                ORTEGA  Y  GASSET

E DO PORQUÊ DAS COISAS SEREM O QUE SÃO, HOJE...


" A glória do século XIX foi a implantação de certos princípios que criavam uma vida pública radicalmente nova e oposta, no essencial, à de todos os tempos. O homem que governa esse século não teve de inventar esses princípios nem sequer as formas primeiras, embrionárias da sua aplicação.
Educado no século XVIII, recebe dele todo esse tesouro e, além disso, o impulso ideal que move internamente o seu ânimo. Não tem, pois, grande mérito o ter - se lançado enérgicamente na execução de tão magnífico programa vital. Só numa coisa podia esse homem do século XIX ter mostrado a sua genialidade, a sua relevação de alma: no cuidado que poria ao realizar o empreendimento, a vigilância e sentido de responsabilidade que presidiria à sua marcha. Três séculos - na verdade toda a história europeia - se tinham esgotado para desafiar esse maravilhoso projecto que foi posto nas suas mãos. Nada mais fácil do que lançar - se a ele. Apenas iniciada a sua instauração comreça a produzir efeitos fabulosos.
O homem do século XVIII não viu funcionar em plena vigência nem a democracia, nem a experimentação, nem o industrialismo que inventara. Ignorava, pois, as repercussões do seu funcionamento sobre a natureza humana. Ficava para o século XIX o compromisso de completar aquele sistema de princípios com um sistema de correcções e complementos inspirados na prática.
Pois bem, é curioso notar a constância com que o século passado falta a esse compromisso. Não compreende que ao educar os homens em novo regime de democracia é também preciso ensinar - lhes algo mais do que democracia, isto é, algo mais do que os seus direitos, a saber, as suas obrigações. Não compreende que a Ciência, ao tomar o caminho experimental, tendia inexorávelmente a dissociar - se num especialismo mecânico que era forçoso compensar de alguma maneira para manter a própria substância da Ciência, que é a sua unidade. Não compreende que o industrialismo abandonado à sua própria índole torna a humanidade escrava da produção, dando assim à economia um  predomínio na vida pública e na privada que significa uma deformação monstruosa do organismo humano. Ou melhor: compreende tudo isto, como não podia deixar de ser, mas não cumpre os deveres que essa compreensão automáticamente lhe define..
Quanto mais se analisa o século passado mais claro se vê que quase tudo o que nbele é bom, não é dele mas do século anterior e que apenas uma tenaz prevaricação histórica é totalmente dele. Faltou conscienciosamente a quanto na sua missão histórica implicava dever de inventar. Não acrescentou nada essencial ao já recebido, antes se deixou deslizar pela encosta que os princípios herdados indicavam.

( continuaremos... )

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