" O sagrado cagaço " - Inês Pedrosa - Expresso 1738
Deliciosa a prosa de uma das minhas cronistas preferidas a espadeirar sobre todos, da extrema esquerda ao conservador Amaral, apanhando-me de raspão no seu doce azedume.
Pela parte que me toca e reactivo como sou, permnito-me, sem ter a presunção de me sentir pessoalmente atacado, focar alguns pontos, que de repetidos começam a ser maçadoras: a ausência de valores no Ocidente é um facto e a prova disso está em tudo o que tem sido escrito e pensado desde o século passado; a deriva das referências e a destruição dos mitos modernos, a par da penosa desconstrucção dos fundamentos, religiosos, morais, biológicos, científicos,filosóficos que estiveram na formatação do Ocidente como CIVILIZAÇÃO criou um vazio que o Narcisismo, o Subjectivismo, o Dinheiro preencheram. Essas referências, pelo seu volatismo, relativismo e forte Amoralidade servem todas as causas e causa nenhuma.Essa abrangência democrática dilui o VALOR desses suportes civilizacionais que de tão profanos só podem estar associados ao que a nossa cronista chama de " o sagrado cagaço ".
Por outro lado, acompanhando " o sagrado cagaço " , não há protestos pacíficos, cara Pedrosa; eles não se medem em decibéis: do meu silencioso protesto ou ao do terrorista, na solidão da sua indignação presa à cintura de morte prenhe de C-4, não há diferença a não ser no VALOR que damos à MORTE.
Para mim, ocidental, ateu,racionalista, cínico, relativista, formalista, amoral, a MORTE é o fim de tudo. Para ele é um valor acrescentado à sua CAUSA ou o seu recomeço com promessas e recompensas divinas.
Onde pára a verdade? Aonde está o VALOR das duas atitudes? Do meu lado que paradoxalmente glorifico a VIDA e tenho os meios de A fazer desaparecer da face da Terra ou de quem a diviniza, sacrificando-a no altar das suas convicções em prol de uma dignificação terrena que o aproxima das boas graças do Seu DEUS?
Essas são para mim as distinções básicas a fazer.
A mim, pelo menos fazem-me REFLECTIR.
Já matámos DEUS, já proclamámos o Fim da História e agora só nos falta matar a FILOSOFIA e voltarmos à NATUREZA e às suas primárias pulsões. E pode ser que aì nos encontremos de novo na conjugação plena e total dos nossos atributos tão pouco consensuais e fracturantes.
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