domingo, fevereiro 19, 2006

" O sagrado cagaço " - Inês Pedrosa - Expresso 1738

Deliciosa a prosa de uma das minhas cronistas preferidas a espadeirar sobre todos, da extrema esquerda ao conservador Amaral, apanhando-me de raspão no seu doce azedume.

Pela parte que me toca e reactivo como sou, permnito-me, sem ter a presunção de me sentir pessoalmente atacado, focar alguns pontos, que de repetidos começam a ser maçadoras: a ausência de valores no Ocidente é um facto e a prova disso está em tudo o que tem sido escrito e pensado desde o século passado; a deriva das referências e a destruição dos mitos modernos, a par da penosa desconstrucção dos fundamentos, religiosos, morais, biológicos, científicos,filosóficos que estiveram na formatação do Ocidente como CIVILIZAÇÃO criou um vazio que o Narcisismo, o Subjectivismo, o Dinheiro preencheram. Essas referências, pelo seu volatismo, relativismo e forte Amoralidade servem todas as causas e causa nenhuma.Essa abrangência democrática dilui o VALOR desses suportes civilizacionais que de tão profanos só podem estar associados ao que a nossa cronista chama de " o sagrado cagaço ".

Por outro lado, acompanhando " o sagrado cagaço " , não há protestos pacíficos, cara Pedrosa; eles não se medem em decibéis: do meu silencioso protesto ou ao do terrorista, na solidão da sua indignação presa à cintura de morte prenhe de C-4, não há diferença a não ser no VALOR que damos à MORTE.

Para mim, ocidental, ateu,racionalista, cínico, relativista, formalista, amoral, a MORTE é o fim de tudo. Para ele é um valor acrescentado à sua CAUSA ou o seu recomeço com promessas e recompensas divinas.
Onde pára a verdade? Aonde está o VALOR das duas atitudes? Do meu lado que paradoxalmente glorifico a VIDA e tenho os meios de A fazer desaparecer da face da Terra ou de quem a diviniza, sacrificando-a no altar das suas convicções em prol de uma dignificação terrena que o aproxima das boas graças do Seu DEUS?
Essas são para mim as distinções básicas a fazer.

A mim, pelo menos fazem-me REFLECTIR.
Já matámos DEUS, já proclamámos o Fim da História e agora só nos falta matar a FILOSOFIA e voltarmos à NATUREZA e às suas primárias pulsões. E pode ser que aì nos encontremos de novo na conjugação plena e total dos nossos atributos tão pouco consensuais e fracturantes.
Ainda sobre os consensos...

Estranha situação essa em que uma civilização que só funciona, ou pelo menos tenta funcionar a um nível global através de consensos ( quando eles não são obtidos há conflitos e guerras - militares, económicas, politicas, psicológicas, de manjerona, etc ) tenha por essa condição um desprezo no mínimo estranho e por pessoas completamente de fora de qualquer capacidade de acção no que às decisões que à sua procura ou não concernem.

A ONU procura afanosamente consensos para eleger um novo Secretário - Geral que por sua vez, pela própria natureza do cargo terá de ser um homem de consensos.
A Europa e os USA trabalham vigorosamente à procura de consensos que consigam impedir que o IRÃO venha a possuir armas nucleares e que a OMC funcione mínimamente.
Há um consenso generalizado contra o TERROR e a Democracia é no fundo uma gestão de consensos já que as cidades não são QUARTÉIS e os cidadãos da República não são soldados.
Consensos vão ter de ser conseguidos com o HAMAS como o foram com a FATAH.
A história corre diante dos nossos olhos e só a ESTUPIDEZ ( não há palavra mais adequada ) impede que os seus ensinamentos alumiem obtusos neurónios dos nossos pantufeiros cruzados de escrita a crédito cujas gratuitas informações por vezes revelam tanta ignorância ou má-fé que mais parecem ser dirigidas a uma sociedade que se pensa totalmente analfabeta ou então que o Mundo se resume às nossas frnteiras e que lá fora são as TREVAS.