segunda-feira, novembro 28, 2016

COMANDOS

MEMÓRIAS

JANEIRO 1971
LAMEGO - CURSO DE RANGERS

Nevava... Na parada fazíamos flexões com a neve pelos cotovelos. Dez, vinte; meses depois chegaríamos aos cem.
Crosses intermináveis, granizos do tamanho de ovos de perdizes, salve - se quem puder a destroçar valentes de peito aberto a pedrinhas que viraram rochas.

FEVEREIRO 1971
LUANDA - GRAFANIL -CURSO DE INSTRUÇÃO DE COMANDOS 31ª e 32ª Companhias em formação.
PARADA - Um calor infernal de boas - vindas. Frente a frente o nosso grupo de cadetes e cabos milicianos contra o grupo dos soldados. Aguardam -se as saudações da Direcção do Curso. Passam - se horas à torreira. Demo - nos conta, é a primeira prova de resistência.
À minha frente a uns trinta metros, quase olhos nos olhos, um ruído surdo. Cai a primeira vítima, de exaustão. Nos minutos seguintes a epidemia alastrou - se. Sentia - a atrás de mim, ao lado e em frente. Os auxiliares de saúde aceleram a recolha dos " cadáveres ". A tensão física e psicológica é brutal. Já os olhos se nublavam, à nossa frente, vultos difusos. Caiu toda a gente?
Já restávamos poucos, teimosamente, em pé. Estaca à minha frente um sargento Comando, Cunha, de seu nome e fita - me, a um palmo do rosto, enquanto vociferava - Aqui todos caem, todos irão morder o pó. Porque é que pensas que és diferente?
Não caí, como não caí em ÚCUA na prova da sede nem me fui abaixo na semana maluca nem nas centenas de quilómetros de crosses e marchas forçadas. Houve alturas que entre nós, futuros oficiais, o gozo com a debilidade da acção psicológica propiciava, entre risadas a compensação extrema do cansaço físico com que a mobilidade constante e o peso da G3 sempre em riste e a mochila de combate a tiracolo nos esmagava.
De quando em vez, surgiam notícias da morte de algum camarada e da desistência e eliminação de outros. Fui protagonista do " salvamento " de um camarada caboverdiano, de nome Cândido, que durante a prova de sede encontrei, durante um exercício de corrida, inanimado e perdido entre o capim. Contra o comando do sargento instrutor e mesmo com a ameaça de exclusão, abandonei o grupo e fui prestar - lhe ajuda. Tinha a boca aberta e a garganta em sangue vivo. Dei - lhe de beber a exígua água que ainda restava no fundo do cantil e arrastámo - nos até à tenda da enfermaria.
Cândido não morreu mas esteve meses afónico sem poder emitir um som. As cordas vocais foram profundamente afectadas.
Não acabei o Curso. Na véspera da prova de água foi - me diagnosticado uma febre amibiana ou legionella ( pudera! a água era transportada em auto - tanques... ) para, no Hospital Militar, em Luanda se descobrir que era tifo.
Meses de recuperação e enviado de volta a Grafanil, agora, depois de graduado, como instrutor dos oficiais " despedidos " do Curso. " Oficiais " para quem a dureza, a disciplina e a necessidade de competências, entranhada por mim, não abrandou. Eles iriam ser responsáveis pelo grupo de homens que iriam comandar na guerra, tão simples e incontornável como isso.

Hoje, com a morte, assim tão perto, de instruendos Comandos que irão para a guerra ( não se fala nisso, por quê? ) os Media fizeram um chavascal desrespeitoso para TODOS os intervenientes na cadeia de acontecimentos que levaram à morte dos rapazes. Simplesmente indecoroso e eivado de má - fé a que só a condição de paisanos ignorantes do que são as tropas especiais, relevada pelo acórdão inacreditável de uma procuradora ( tornou - se moda o proselitismo retórico na classe... ) podiam dar voz.
Na TROPA PODE - SE MORRER, assim como na POLÍCIA ou SERVIÇOS DE SEGURANÇA. Está implicito para quem quer fazer parte do sistema militarizado. Não é um campo de girassóis a área onde exercem o seu míster. Desengane - se quem faz exigências, pensando o contrário.
Foi, naturalmente, LAMENTÁVEL a morte dos instruendos e se houve negligência criminosa, julguem - se os culpados.

Nada obsta a que qualquer incidente ou acidente dentro desse universo seja tratado pela autoridade civil democrática, mas tenho por mim que a assistência imperativa da Justiça Militar deveria estar sempre presente, não só como conselheira mas também como iluminação do que poderá transformar - se num campo minado na desvirtuação de uma realidade que não é própriamente a sociedade civil. A autoridade e disciplina militares terão de ser tendencialmente autoritárias, passe o truísmo, ou então encabeçarão um bando armado.

domingo, novembro 27, 2016

FIDEL

A RESISTÊNCIA


A HISTÓRIA JÁ TE ABSOLVEU e pelos contornos, já criminosos, de que se revestiu o sistema ao qual deste luta e às resistências erráticas que vai despoletando pelo mundo, chamar - te - à profeta, um dia, num dia de neblina...

Mais um pedaço da minha história, da minha Vida contigo se vai e já são tantas as dentadas que já pouco me resta a que me agarrar nessa memória vívida de resistência à Morte, simbólica ou definitiva.