sexta-feira, setembro 29, 2006

Da relevância do passado dos adolescentes e...

...na má consciência que inadvertidamente cria no homem adulto, tivemos o exemplo patético, porque desnecessária foi a contricção que só nos revelou a suprema importância que o homem se atribuíu como o Moralizador da sua Pátria. Vergastando durante décadas a consciência dos seus conterrâneos, Gunther Grass mais não fez, durante todo esse tempo do que tentar apagar da sua memória a "peçonha" de ter pertencido às SS.

E por que é que ele teve " necessidade " dessa pública confissão? Porquê agora?

A ideia de que o moralista é um ser que paira acima dos outros mortais sempre foi um conceito bizarro na cabeça dos hipócritas e de quem o ataca pelo seu passado, relevante ou mesquinho.
O moralista é um ser que HOJE se tornou um homem melhor porque reconheceu os seus eventuais erros e os dos outros e não os pratica, de TODO.
A sua ética condu-lo no sentido de um aperfeiçoamento espiritual e humano que ele tenta transmitir a quem ama principalmente e por inércia cívica ao espaço que coabita com os seus semelhantes; daì a sua crítica permanente à amoralidade e mais incisivamente à imoralidade militante dos nossos dias.

Isso não faz dele um santo que acha que deve descascar pùblicamente as cebolas da sua biografia antes que outros lhe apontem erros de adolescência e o façam descer do pedestal que deliberadamente criou para si. Esse foi o seu pecado e não de ter ficado com as mãos sujas de tanto labor culinário.

domingo, setembro 24, 2006

Da função do jornalista intelectual e do intelectual jornalista....

M. S. Tavares, ( já lhe perdoei a paranóia anti- Glorioso) tem consubstanciado de uma forma que eu considero louvável o papel que ao intelectual ( como produtor de ideias, investigador das culturas, transmissor de conhecimentos, crítico " no aggiornato " de comportamentos criticáveis) se deveria exigir.
A diletância narcísica que, infelizmente, a par da deserção e da cobardia, tem marcado as intervenções que abundam por aì em nada têm ajudado à leitura dos acontecimentos e às tomadas de eventuais posicionamentos cívicos dos cidadãos.

Não foi por acaso que na sua crónica desta semana no Expresso tenha abordado o discurso de Ratzinger ( foi o intelectual a falar e não o Papa, isso foi evidente ) e lido nas entrelinhas o verdadeiro alcance do que se quis dizer.

A controvérsia que o ex- cardeal, académico e filósofo, conhecedor da Palavra e do Verbo lançou, ao citar, sem inocência o que citou, embora enquadrado numa lição sobre os contornos e contradições entre a Fé e a Razão, no mundo muçulmano teve como alvos, não só o fundamentalismo islâmico mas o cerne do Islão e dos ensinamentos corânicos. O extraordinário foi tê-lo feito como Papa e não como teólogo.
Mas o Papa quis ir mais além e ao mesmo tempo teorizou sobre os limites que à Fé a Razão Ocidental tem levantado, com todas as consequências da relativização dos valores que ela provocou no Espírito Ocidental.

É claro que a Fé e os Impérios andaram de mãos dadas durante séculos de colonização e conquista quer pelas espadas dos cruzados ou pelas alfanges da Civilização Árabe.Essa época acabou.

O relativismo ocidental racionalizou a Fé cristã ao mesmo tempo que a Ciência depurava os milagres. O Islão teve a sorte contrária dos Impérios cristãos europeus: cristalizou-se no seu passado de grandeza perdida e toda a interpretação do real ficou a cargo de um homem do século V com os resultados que se vêm actualmente.
Ver o mundo actual com os olhos de Maomé é tão patético para os muçulmanos como para os cristãos interpretá-lo com os olhos de ClementeV.

A contribuição de Ratzinger foi notável como pensador mas imprudente como político e Papa.
Que as suas palavras façam pensar com olhos de homens do século XXI aos ocidentais e aos muçulmanos é o que se deseja.