quarta-feira, janeiro 20, 2016

DA CRÍTICA ( II )

" Valerá a pena analisar críticamente este « e ». Será que, em si mesmo, é já cínico? Como pode uma cópula lógica ser cínica? Um homem « e » uma mulher; garfo « e » faca; sal « e » pimenta. Que há aqui a criticar? Tentemos outras ligações - senhora « e » puta; ama o próximo « e » mata - o; morrer de fome « e » comer caviar ao pequeno - almoço. Aqui o » e » parece ter - se inserido entre opostos que transforma em vizinhos imediatos, de forma que os contrastes se invectivam.

O « e » terá algo a ver com isto? Não foi ele que criou os opostos, apenas desempenhou o papel de alcoviteiro entre pares díspares. Com efeito, nos Media, o « e » mais não faz do que justapor, fundar vizinhanças, acasalar, contrastar - nem mais nem menos. O « e » tem a capacidade de formar uma série ou uma cadeia linear cujos membros individuais só se tocam por intermédio do alcoviteiro lógico; este último não diz nada sobre a natureza dos elementos que enfia numa fileira. É nessa indiferença do « e » a respeito das coisas que justapõe que desponta o germe de um desenvolvimento cínico. Com efeito, pela simples justaposição e pela relação sintagmática externa entre todas as coisas, ele produz uma uniformidade que afecta as coisas justapostas. Eis porque o « e » não permanece um « e » puro, antes desenvolve a tendência para se tornar um é - igual - a. A partir desse momento, pode desenvolver - se uma tendência cínica. Com efeito, se o « e » que pode colocar - se entre tudo significa simultaneamente « é - igual - a », tudo se torna igual a tudo e cada coisa vale tanto como outra coisa qualquer. Da uniformidade da série dos « e » nasce insidiosamente uma equivalência das coisas e uma indiferença subjectiva. "

( continuaremos, com Sloterdijk )

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